quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O preço da palavra

imagem: google

Todas as manhãs um sol boceja e se levanta refazendo o tempo. Não esse tempo cronológico determinante e imutável, mas, aquele que entoca a esperança assanhada que nunca se esvai, e está sempre pronta a se levantar, mais uma vez, na tentativa incansável de encontrar o que queremos. Esse é o lado bom da vida!
É esse tempero imaginário que sempre dá um toque especial ao sabor das nossas ansiedades inquietas, que estão sempre num processo constante de renovação em busca de cada momento novo, inaugurando desejos e alimentando sonhos.
            Quem dera pudesse ter tudo que quero!
            Quem dera pudesse dispor de tudo aquilo que necessito!
            Quem dera pudesse reencontrar quem desejo estar comigo!
            Nem sempre isso é possível.
            Nesse desencontro de igualdade me debruço na janela do tempo, e fico a espreitar o longe, apurando a vista que não avista as imagens que sonho. Afinal, elas não estão no futuro, mas, indubitavelmente, acomodadas no passado que a cada instante se distancia mais e mais, fugindo ao alcance das minhas ilusões, encerrando-se gradativamente nas covas perfiladas dos horizontes que um dia toquei com as mãos.
            Ah! Esse contrabandeado estrabismo!
            Ah! Essa visão antagônica!
            Ah! Esse adverso avesso que já proliferou cutaneamente na minha pele sensível.
            Ah! Esse contrário de tudo.
            Que bobagem! Sempre foi e sempre será assim.
            As coisas, as pessoas... desfilam pelas nossas vidas como truques de mágicas ilusórias que aplaudimos freneticamente até o próximo número, e assim, vamos seguindo até o encerramento do espetáculo, nada é eterno, de duradouro... só a morte.
            Por onde andam meus amigos?
            Por onde anda aquela troupe mambembe de sonhadores que se qualificava e se diferenciava pelas palavras ao vento, com seus versos inconsequentes , tão capazes de mudarem o mundo, revolucionarem o óbvio, e questionarem a razão?
Faz anos que não os vejo, faz tempo que não os encontro.
Quantas estações da minha vida já ficaram para trás, sentindo-se órfãs, sem seus sorrisos de verão; suas lágrimas de inverno; suas dores de outono; suas flores de primavera?
Folheio os retratos do passado e lá estão:
Benny do Carmo; Luiz Nazcimentto; Tonho dos Anjos; A.J. Cardiais; Aurivaldina Gleiser; Birão Santana; Jaboti; Gilson Nascimento; Néa Santana; Luiz Ademir; Rogéria Pita; Wagner Américo; Nyl Zuannis, Francisco Telles, Lucia Adães, e tantos e tantos outros poetas maravilhosos que semeavam letras colhiam melodias.
Ah! Como a memória me é ingrata. É gente demais para uma parca lembrança.
Onde estão registrados seus poemas, sonetos e canções? Por que este frustrante anonimato de quem tentou mudar o mundo?
Guerrilheiros! Saltimbancos! Idealistas!
Artistas completos e comuns, sem palcos e sem platéias.
Soldadinhos de chumbo decididos a fazerem a guerra e conquistarem a paz.
Estandartes sem cores! Bandeiras sem mastros! Girassóis ambulantes em busca de um lugar ao sol.
O cotidiano é um entrevero de opostos... será que vocês escolheram o lado errado da batalha? Acredito que não. No devido tempo fizeram o que era devido.
Doaram o melhor de si e fizeram o mundo sonhar. Se mais não lhas foi possível é porque o destino assim não quis.
Entretanto, a parcela contributiva de cada um para com a sociedade (esta indócil gananciosa que nada oferece a tudo cobra) foi paga. Se bem ou mal aproveitada não cabe a ninguém julgar.
Aliás, quem seria o idiota metido à besta que se atreveria a tal fato? Os poetas possuem imunidade. A eles, somente a eles, é concedido o direito à total liberdade de expressão, mesmo que suas palavras, por vezes, lhes custem muito caro e, por consequência, sejam barradas, intransigentemente, nos pedágios humilhantes das estradas da vida.
Lembranças minhas, meus diletos amigos.
Continuo por aqui, entrincheirado, dispondo-me em capítulos solitários como um “malmequer-dos-brejos”, sem futuro e sem resposta.
Para me defender, vivo a disparar flechas contra alvos fictícios, até que caia o último reduto protetor desta “Linha Maginot” que me circunda, e finalmente, seja vencido pelas tropas do Reich, uma vez que, diferentemente de vocês, consegui escapar do massacre da “Noite dos Longos Punhais”, mas, até quando vou resistir... sinceramente, não sei..
Meus amigos de sempre, lobos não caçam sozinhos, é tempo perdido.

Aquela esfuziante coalizão de forças foi desmantelada, o brioso exército aliado desqualificou-se, cada um tomou sua trajetória. Entretanto, aquele velho sonho continua lá... cada vez mais desprotegido.

Antonio Sanábria
Em: Arte de Menino não se Pinta - 
Edição Caderno Literário - 2005
EGBA - Salvador - Bahia

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