imagem: google
Todas
as manhãs um sol boceja e se levanta refazendo o tempo. Não esse tempo cronológico
determinante e imutável, mas, aquele que entoca a esperança assanhada que nunca
se esvai, e está sempre pronta a se levantar, mais uma vez, na tentativa incansável
de encontrar o que queremos. Esse é o lado bom da vida!
É
esse tempero imaginário que sempre dá um toque especial ao sabor das nossas
ansiedades inquietas, que estão sempre num processo constante de renovação em
busca de cada momento novo, inaugurando desejos e alimentando sonhos.
Quem dera pudesse ter tudo que quero!
Quem dera pudesse dispor de tudo aquilo que necessito!
Quem dera pudesse reencontrar quem desejo estar comigo!
Nem sempre isso é possível.
Nesse desencontro de igualdade me debruço na janela do
tempo, e fico a espreitar o longe, apurando a vista que não avista as imagens
que sonho. Afinal, elas não estão no futuro, mas, indubitavelmente, acomodadas
no passado que a cada instante se distancia mais e mais, fugindo ao alcance das
minhas ilusões, encerrando-se gradativamente nas covas perfiladas dos
horizontes que um dia toquei com as mãos.
Ah! Esse contrabandeado estrabismo!
Ah! Essa visão antagônica!
Ah! Esse adverso avesso que já proliferou cutaneamente na
minha pele sensível.
Ah! Esse contrário de tudo.
Que bobagem! Sempre foi e sempre será assim.
As coisas, as pessoas... desfilam pelas nossas vidas como
truques de mágicas ilusórias que aplaudimos freneticamente até o próximo
número, e assim, vamos seguindo até o encerramento do espetáculo, nada é
eterno, de duradouro... só a morte.
Por onde andam meus amigos?
Por onde anda aquela troupe mambembe de sonhadores que se
qualificava e se diferenciava pelas palavras ao vento, com seus versos inconsequentes
, tão capazes de mudarem o mundo, revolucionarem o óbvio, e questionarem a
razão?
Faz
anos que não os vejo, faz tempo que não os encontro.
Quantas
estações da minha vida já ficaram para trás, sentindo-se órfãs, sem seus
sorrisos de verão; suas lágrimas de inverno; suas dores de outono; suas flores
de primavera?
Folheio
os retratos do passado e lá estão:
Benny
do Carmo; Luiz Nazcimentto; Tonho dos Anjos; A.J. Cardiais; Aurivaldina
Gleiser; Birão Santana; Jaboti; Gilson Nascimento; Néa Santana; Luiz Ademir;
Rogéria Pita; Wagner Américo; Nyl Zuannis, Francisco Telles, Lucia Adães, e tantos
e tantos outros poetas maravilhosos que semeavam letras colhiam melodias.
Ah!
Como a memória me é ingrata. É gente demais para uma parca lembrança.
Onde
estão registrados seus poemas, sonetos e canções? Por que este frustrante
anonimato de quem tentou mudar o mundo?
Guerrilheiros!
Saltimbancos! Idealistas!
Artistas
completos e comuns, sem palcos e sem platéias.
Soldadinhos
de chumbo decididos a fazerem a guerra e conquistarem a paz.
Estandartes
sem cores! Bandeiras sem mastros! Girassóis ambulantes em busca de um lugar ao
sol.
O
cotidiano é um entrevero de opostos... será que vocês escolheram o lado errado
da batalha? Acredito que não. No devido tempo fizeram o que era devido.
Doaram
o melhor de si e fizeram o mundo sonhar. Se mais não lhas foi possível é porque
o destino assim não quis.
Entretanto,
a parcela contributiva de cada um para com a sociedade (esta indócil gananciosa
que nada oferece a tudo cobra) foi paga. Se bem ou mal aproveitada não cabe a
ninguém julgar.
Aliás,
quem seria o idiota metido à besta que se atreveria a tal fato? Os poetas
possuem imunidade. A eles, somente a eles, é concedido o direito à total
liberdade de expressão, mesmo que suas palavras, por vezes, lhes custem muito
caro e, por consequência, sejam barradas, intransigentemente, nos pedágios
humilhantes das estradas da vida.
Lembranças
minhas, meus diletos amigos.
Continuo
por aqui, entrincheirado, dispondo-me em capítulos solitários como um “malmequer-dos-brejos”, sem futuro e sem
resposta.
Para
me defender, vivo a disparar flechas contra alvos fictícios, até que caia o
último reduto protetor desta “Linha
Maginot” que me circunda, e finalmente, seja vencido pelas tropas do Reich,
uma vez que, diferentemente de vocês, consegui escapar do massacre da “Noite
dos Longos Punhais”, mas, até quando vou resistir... sinceramente, não sei..
Meus
amigos de sempre, lobos não caçam sozinhos, é tempo perdido.
Aquela
esfuziante coalizão de forças foi desmantelada, o brioso exército aliado
desqualificou-se, cada um tomou sua trajetória. Entretanto, aquele velho sonho
continua lá... cada vez mais desprotegido.
Antonio Sanábria
Em: Arte de Menino não se Pinta -
Edição Caderno Literário - 2005
EGBA - Salvador - Bahia
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