Sei que não vão ler este poema. Sei que não lhes importa.
Como para alguns é mais importante aquela coisa celestial, branca,
[fria e remota do que os sapatos furados de vocês.
Mas o assunto é poesia.
A poesia é uma rua. Uma rua ampla, infinita. E tudo está nela:
os altos silêncios dos coqueiros suspensos entre o céu e a terra
[como enormes lágrimas verdes,
o concreto recém fundido que na tarde quente cheira a meses,
a noite vindo com os passos de menina descalça,
o perfil de uma pestana pesada de chuva,
um livro aberto com duas mãos generosas e forte como punho,
um sonho em forma de bicicleta, um canguru espantado,
o suor nosso de todos os dias com hálito de motores
[e pensamento,
e sobretudo homens, muitos homens, principalmente homens,
[fundamentalmente homens:
o desamparado que cobrira seu sono com jornais,
o servente de pedreiro que come em sua marmita o que ganhou ontem,
a velha que tece placidamente uma meia no outono,
a Carmen voltando, pensativa, do cansaço à casa,
o poeta com sua tímida silhueta de letra i,
o preso que acaba de sair da cadeia e aprende a viver como
[as crianças aprendem a andar,
o operário cuja mãos partem trilhos, trens e mais-valia,
vocês acendendo seu cigarro matinal e começando a longa marcha
[diária detrás da vassoura,
quer dizer, o assunto é poesia.
Quer dizer, a poesia é uma necessidade social, como o varrer
[de ruas.
Escrever versos é um trabalho sem pressa mas sem trégua, como
[o varrer de ruas.
É um pertinaz recomeço constante e a caneta não é mais leve que
[a vassoura.
O poeta limpa os corações, como vocês as ruas:
é um humilde empregado do Serviço de Limpeza Universal, por sinal
[pior pago que vocês.
Rumen Stoyanov
Em: Poemas no Brasil
Ed. Civilização Brasileira/INL-MEC - 1981
Imagem: Google
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