Enquanto outros cavam carvão, moem trigo,
costuram roupa, fazem
[casas,
tu, geralmente de noite, tomas fôlego e
submerges no oceano
[linguístico.
Lá, no fundo, não sabes onde, mas lá, há
uma palavra exata como
[âncora.
E tu desces devagar através de compactas
camadas de tempo
[liquefeito
Passas entre os afogados fogos-fátuos
das lembranças,
esdrúxulas medusas metafóricas estendem
para ti seus filamentos,
polvos adjetivos emaranham em teus pés,
comparações obsessivas te perseguem com
suas vozes fosforescentes
[de
sereias,
das grutas submarinas da imaginação saem
imagens incríveis como
[peixes
das águas mais profundas,
correntes imprevisíveis de pensamentos te
arrastam para os
[recifes das dúvidas
e tudo está ao alcance da tua mão, lá,
no oceano linguístico:
a luz do equinócio tropical, tão forte
que doem os ouvidos.
[aquela
mulher que nunca encontrarás,
o cheiro estridente de uma folha de nogueira,
peixes náufragos,
[um silêncio de samambaias.
Mas tu pegas só o que te conduz à
palavra.
Em essência, não é uma palavra, é uma
verdade sob a forma de uma
[palavra exata como âncora:
fome, dor, fé, hoje, dou exemplo,
combate, canto, amor, amanhã,
[dou exemplo,
às vezes te assalta a grande incerteza:
acima, sob o sol implacável da vida,
estas maravilhas linguísticas,
[não serão apenas algas murchas?
E procuras febrilmente as palavras
simples e eternas: homem, terra,
[povo,
liberdade.
Aos teus pés jazem um sem-número de poemas
afundados pelo peso dos
[versos vazios.
E tu, quase desesperado, quase
regozijante, dás braçadas e pernadas,
[para cima, para os homens,
a quem oferecer teu punhado de frescor lingüístico,
tua palavra.
Rumen Estoyanov
Em: Poemas no Brasil
Editora Civilização Brasileira / INL - MEC - 1981
imagem: google
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